domingo, 20 de abril de 2008

Sai Folegatti, entra Neeleman


A nova empresa aérea do fundador da JetBlue tem planos, rotas e aeronaves idênticos aos da malsucedida BRA -- só faltou o ex-dono

Por Samantha Lima

EXAME O empresário David Neeleman tornou-se famoso por ter fundado, no início dos anos 2000, uma companhia aérea diferente de todas as outras que operavam no mercado americano. Inovações como o sistema de bilhetes eletrônicos e as reservas pela internet ajudaram a reduzir os preços das passagens e fizeram da JetBlue uma das mais festejadas companhias aéreas dos Estados Unidos. O impacto das criações de Neeleman foi tão grande que ele chegou a ser comparado pela revista Fortune a Sergey Brin e Larry Page, os fundadores do Google. No início de março, Neeleman anunciou que está criando uma nova empresa aérea, agora no Brasil. Mas, pelo menos desta vez, os planos não são 100% inéditos. Na companhia ainda sem nome que Neeleman pretende fazer decolar em 2009, tudo se parece muito com o programa de expansão da BRA, empresa fundada por Humberto Folegatti em 1999 como operadora de vôos charter e que se tornou a terceira maior companhia aérea do país em 2007. A fonte de inspiração para o empreendedor americano, a BRA, entrou em processo de recuperação judicial em novembro, antes de colocar seu novo modelo de negócios para funcionar.

Assim como nos planos da BRA, a nova empresa vai se concentrar em rotas entre cidades com aeroportos pequenos e médios para fugir dos riscos de apagões aéreos e conquistar um público até agora mal atendido pelas concorrentes, TAM e Gol. Operando aviões menores que os Boeing e Airbus das outras companhias, Neeleman acredita ser possível oferecer viagens mais rápidas e, portanto, a um custo mais baixo, tornando essas rotas lucrativas. Pode-se dizer que essa é, no momento, a oportunidade mais óbvia no mercado brasileiro. Antes mesmo de a BRA anunciar seus planos, no fim de 2006, outras empresas, como Ocean Air e Varig, em seus estertores, tentaram implantar planos de rotas regionais, entre cidades menores. A própria JetBlue, criada por Neeleman, voa nos Estados Unidos com aviões menores, entre cidades de fluxo médio e com baixas tarifas. Mas as coincidências entre a BRA e a nova empresa de Neeleman vão além das linhas gerais. Nas últimas semanas, EXAME ouviu cinco investidores e consultores envolvidos no processo de reestruturação da BRA e comparou os dois planos. "Assistir ao anúncio do projeto de Neeleman me deu uma sensação de déjà vu", disse um deles.

As principais cidades onde a nova companhia pretende operar são as mesmas por onde a nova encarnação da BRA começaria a voar -- Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador e Curitiba. O número de rotas previstas é de 300, exatamente o mesmo número a que a BRA pretendia chegar. A ocupação média prevista para que a empresa dê lucro, de 70%, é a mesma nos dois casos. E a encomenda de Neeleman à Embraer é praticamente idêntica aos contratos de compra que a BRA fez em agosto. Na ocasião, a companhia de Folegatti anunciou a encomenda de 40 aeronaves, com possibilidade de chegar a 75. Neeleman firmou pedidos de 36 aviões, com opção para até 76. Nos dois casos, o modelo escolhido foi o Embraer 195, lançado em 2006 pela fabricante brasileira. Neeleman poderia colocar em seus aviões de 70 a 122 assentos, mas decidiu por 118, o mesmo número de poltronas previsto pela BRA. Para chegar a 118 -- e não a 112, 116 ou 122 --, os consultores da BRA fizeram um cálculo complexo, considerando o fluxo de passageiros das cidades, o tamanho das pistas dos aeroportos e a seqüência dos destinos nas rotas. Ou seja, não é um número óbvio. A data de entrega das aeronaves também é a mesma, o início de 2009. Segundo a Embraer, Neeleman não assumiu a encomenda da BRA, e a semelhança entre os dois contratos é apenas coincidência. "Sempre deixamos alguma ociosidade na linha de produção para emergências. Como Neeleman já tem uma relação com a Embraer, decidimos operar a plena carga para atendê-lo", diz Luiz Sérgio Chiessi, diretor de inteligência de mercado da Embraer. A JetBlue usa os aviões da Embraer desde 2003.

Modelo convergente

Os planos da nova empresa de David Neeleman para o Brasil são idênticos aos da BRA

Rotas
Anova empresa prevê 300 rotas regionais fora dos grandes aeroportos, com pontos de partida nas mesmas cidades previstas pela BRA— Belo Horizonte, Curitiba, Salvador e Porto Alegre

Aviões
Assim como no plano da BRA, a nova empresa vai comprar aviões da Embraer com as mesmas especificações técnicas e o mesmo número de poltronas

Sócios
Um dos investidores é o fundo de investimento Gávea, de Arminio Fraga, o mesmo que tentou fazer a BRA decolar. Os demais são George Soros e Julio Bozano


EM JULHO, O FUNDADOR da JetBlue teve amplo acesso aos planos de negócios da BRA. Ele foi procurado pelos sete investidores -- Gávea Investimentos, Goldman Sachs, Bank of America, além dos fundos internacionais Development Capital, Darby, HBK e Millenium Capital -- que haviam colocado 180 milhões de reais na empresa sete meses antes, mas não conseguiam fazê-la decolar. O acordo inicial era que a gestão da BRA seria entregue a executivos de mercado. Mas seu fundador e presidente, Humberto Folegatti, recusou-se a sair e a situação financeira da empresa piorou. A última cartada do grupo de investidores foi mostrar o plano a Neeleman. Queriam convencê-lo a injetar 70 milhões de dólares para tirar a BRA do sufoco, e quem sabe até assumir ele mesmo o comando da companhia. Entre julho e agosto, foram pelo menos duas reuniões na sede da BRA, em São Paulo. "Ele disse que o plano era bom, mas o problema era o Folegatti", diz um executivo que acompanhou as negociações. A nova empresa de Neeleman nega ter copiado os planos da BRA. "O plano deles não estava totalmente claro. O nosso é resultado de uma profunda análise do mercado brasileiro", diz Trey Urbahn, recém-nomeado vice-presidente da empresa. Folegatti não fala sobre o assunto, mas, segundo amigos próximos, já disse que Neeleman se aproveitou do fracasso da BRA para assumir seu lugar no mercado. De fato, as reuniões na sede da BRA renderam a Neeleman pelo menos um novo sócio, a Gávea Investimentos, de Armínio Fraga, que também é sócia da BRA. Além dele, vieram o megainvestidor George Soros -- que já é acionista da JetBlue e para quem Fraga trabalhou nos anos 80 --, o fundo californiano Weston Presidio e o ex-banqueiro gaúcho Julio Bozano.

A idéia de que uma companhia regional, com aviões menores e baixas tarifas, pode vingar no Brasil é baseada, principalmente, em estatísticas. Pesquisas das empresas do setor mostram que, no Brasil, apenas 25% da população, ou 45 milhões de pessoas, viaja de avião. O raciocínio é que, se há 87 milhões de pessoas que integram a classe C no país, ao menos 42 milhões de brasileiros esperam a oportunidade de voar. O objetivo de Neeleman, portanto, é ampliar o mercado brasileiro, algo que a Gol conseguiu fazer no início desta década, baseada justamente no sucesso que a JetBlue e a Southwest vinham conseguindo nos Estados Unidos. O presidente da Gol, Constantino Júnior, chegou a passar uma temporada na empresa de Neeleman para aprender a tocar esse tipo de negócio. Mas os resultados recentes da JetBlue são irregulares. Em 2005 e 2006, os prejuízos acumulados foram de 21 milhões de dólares. Em 2007, o lucro foi de 18 milhões de dólares, para uma receita de 2,6 bilhões de dólares. (Mesmo com o caos aéreo, a Gol lucrou oito vezes mais com receita semelhante.) O valor de mercado da JetBlue caiu de 6 bilhões de dólares para 2 bilhões no período. "Seu desempenho hoje está abaixo de quando ela disputava espaço com as gigantes americanas nas rotas mais significativas, com aviões maiores", diz o consultor de aviação André Castellini, da consultoria Bain. "Os números mostram que o modelo JetBlue ainda não se provou vencedor."

No Brasil, a questão é saber se dá para obter lucro com baixas tarifas ocupando apenas 70% das aeronaves, como prevê o plano de negócios da nova empresa. Além disso, ninguém sabe até onde as grandes, TAM e Gol, poderão chegar na guerra de preços e de oferta de rotas para esmagar a concorrente. A dificuldade em disputar espaço em Congonhas com a Gol e a TAM já atrapalhou a BRA. Neeleman deixou claro que não dispensará o terminal. Tempo para estudar a fundo o mercado brasileiro ele teve de sobra. Desde maio passado, Neeleman está afastado da presidência da JetBlue. Três meses antes, os serviços da companhia haviam entrado em colapso durante uma nevasca que parou os Estados Unidos. Neeleman vendeu 23% de suas ações na JetBlue -- de 6% passaram para 4,6% -- e já declarou que não pretende voltar ao antigo cargo. O motivo é que espera dedicar-se integralmente à sua empresa no Brasil. "As condições econômicas do país são favoráveis", diz Urbahn, vice-presidente de Neeleman. "Além disso, preparamos alternativas às dificuldades, que não podemos revelar. Esse é um jogo de xadrez em pleno andamento."


FONTE: Portal Exame

Um comentário:

Lucas Silva disse...

Noooossa!!! Essa é uma exposição clara da aula do professor Isaac, sobre Companhias Aereas.
Ahh...lembram tb quando ele falou sobre Governança Corporativa? Olha ai Constantino Junior aparecendo na empresa JetBlue.

Adorei essa noticia. E vc o que acharam?

Lucas